Ah vulnerabilidade! Quando eu saí do Brasil em dezembro passado, trouxe na minha mala um livro chamado “Os Presentes da Imperfeição”. Na capa, a autora escreveu o seguinte desafio ao leitor:
Deixe de ser quem você pensa que deveria ser e abrace quem você é.
E ainda desafia o leitor a pensar:
Tornar-nos donos da nossa historia e ao mesmo tempo nos amar neste processo é a coisa mais corajosa que jamais faremos.
A leitura foi muito gostosa, entre uma paisagem e outra na África do Sul ou uma pessoa e outra que eu conhecia – fui lendo. Deitado na praia, comendo peixe no restaurante, viajando de carro. Mal sabia eu que a vulnerabilidade maior ainda me esperava – estava mais adiante: quando eu saísse da África e chegasse à Índia.
Eu sempre fiz o papel de “terapeuta” com muitos amigos. Ouvindo, questionando, dando sugestões. Mas acho que chegou a hora de me encarar no espelho. Bonito isso, né? Tenho percebido nos últimos anos que alguns padrões da minha personalidade sempre se repetem. E alguns deles me dão boas rasteiras.
No livro, a autora fala sobre vulnerabilidade e apresenta, por exemplo, a idéia de que o quanto conhecemos e entendemos a nos mesmos é muito importante, mas existe algo que é ainda mais essencial para uma vida equilibrada e completa de coração: amar a si próprio.
Essa idéia é muito boa. Pois indica que viver “de coração” envolve tanto “abraçar” nossas vulnerabilidades e desenvolver autoconhecimento quanto também saber “pedir” e “assumir” seu poder. Esta jornada é difícil e envolve um exercício de saber mais como “eu me sinto” e menos “o que o outro pensa”.
Traduzo aqui algumas partes do livro como a definição da autora de amor:
Cultivo amor quando permito ao meu poderoso e vulnerável “eu” ser profundamente visto e conhecido, e quando honro a conexão espiritual que cresce a partir dessa oferta com respeito, carinho e afeto.
O amor não é algo que dou ou recebo; é algo que cultivo e cresce; uma conexão que só pode existir entre duas pessoas quando existe em cada uma delas – só posso amar aos outros quando amo a mim mesmo.
Vergonha, culpa, desrespeito, traição e não-afeição danificam as “raízes” das quais o amor cresce. O amor só pode sobreviver esses “machucados” se eles forem reconhecidos, curados e raros.
E a carta que a autora recebeu de um leitor:
Certamente, as pessoas que amamos nos inspiram a ir às alturas do amor e da compaixão – as quais nunca atingiríamos de outras maneiras. Mas para realmente escalar estas “alturas”, freqüentemente precisamos ir às profundezas de quem somos: luz/ sombra, bom/mau, amor/ destruição. E entender nossas próprias questões para amar melhor os outros. Chegamos a amar os outros de maneira muito intensa, talvez mais do que pensamos amar a nos mesmos – mas este amor intenso deve nos servir para chegar às profundezas de nos mesmos de maneira que possamos aprender a ter compaixão consigo próprio.
Uma musica para alegrar seu dia - direto das "paradas" indianas ;)
Why this Kolaveri di?
domingo, 19 de fevereiro de 2012
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Os padrões da índia, as desigualdades e a empatia
Recentemente vi uma foto de uma amiga brasileira em que ela está de frente ao Taj Mahal em Agra, na Índia. Isso me fez lembrar de quando a Índia, para mim, ainda era o "desconhecido". Quando trabalhando na AIESEC, eu via fotos, posters, depoimentos de pessoas que tinham vindo para trabalhar na Índia e imaginava: como será? E a maioria das fotos era de frente ao Taj. E o Taj era o "desconhecido". Eu não conseguia imaginar como ele era. A vida é muito curiosa, não é? Este ciclo de “se inspirar, não poder imaginar, tentar e concretizar” é incrível. Concretizar aquilo que não se pode, a principio, imaginar. Hoje, o Taj é uma memória. Hoje, ele é uma historia. Ele é aquilo que ele foi para mim.
Ontem fui a uma festa aleatória (mais uma vez). Um francês postou no facebook, convidou muita gente e abriu as portas de casa. Sem nem saber o nome dele, lá fomos nós! Ele trabalha como engenheiro em Mumbai e depois de construir o metro de Dubai, mudou-se para cá. O metro de Mumbai é uma grande piada. Já está há anos em construção e tudo que parece fazer é atrapalhar o já caótico transito, levantar poeira e fazer barulho. Passa a impressão de que se você voltar daqui a 20 anos, ainda estará em construção. Mas não é exatamente disso que eu quero falar.
Quando as pessoas vêm morar na Índia facilmente se deixam levar ou são arrebatadas pelo caos do país. Tudo parece acontecer de maneira aleatória. Tudo parece surpreendente e imprevisível. Daí resta sair-se com um “é a Índia!” para tentar explicar o que não se entende. Mas morando aqui há quase 2 anos, da para perceber que as coisas não são tão aleatórias e existem sim, padrões que se repetem. Como em qualquer lugar do mundo, a questão é que aqui os padrões são diferentes. As festas “aleatórias” são, por exemplo, um padrão que se repete aqui. Festas em casa (ou em fazendas, em Nova Deli), com muitos estrangeiros, bebidas compartilhadas, Bollywood, indianos “ocidentalizados”, quase ninguém se conhecia antes da festa, todos acham tudo “cool”.
Mas ontem, nessa festa aconteceu algo estranho comigo. Aquilo que antes era aleatório virou comum. E me fez pensar outras coisas. Vou desenvolver a idéia.
Na organização em que eu trabalho tem um indiano – o Mahesh – que é um dos muitos que moram em favelas urbanas. Só em Mumbai, 50% da cidade são favelas. Mas aqui a favela se mistura com a parte rica. Não se vê riqueza sem olhar para lado e ver a pobreza. Ainda assim, a “riqueza” às vezes parece não ser nem um pouco empática. Em Mumbai, por exemplo, está a mansão mais cara do mundo. Cujo custo está na casa dos bilhões de dólares. Chamada de “Antilia”, foi construída pelo multibilionário Mukesh Ambani. A casa tem 27 andares, nove elevadores, estacionamento para 168 carros, 3 heliportos, um quarto com “neve artificial” e um teatro para 50 pessoas. Alem de salas de yoga, academia, etc. Mas acredito que subindo já no décimo andar da casa, a família pode avistar o Dharavi, a segunda maior favela da Ásia – que foi palco do filme “Quem quer ser um milionário”.
"Antilia": 27 andares de falta de empatia
Já o Mahesh, meu colega do trabalho, mora em uma casa de um cômodo com 2 irmãos, pai, mãe, esposa e filho. Isso significa 7 pessoas em um cômodo. Em uma casa que não tem nem banheiro. O que também não é exceção em Mumbai. Se precisar ir ao banheiro, precisa usar o publico compartilhado por parte da favela. Ou usar as linhas do trem. Isso mesmo, as linhas do trem. Mahesh mora do lado de uma estação de trem bem movimentada em Mumbai e passando por la, você facilmente vai ver pessoas fazendo necessidades na linha do trem. Saneamento é uma questão urgente na Índia. E mais, é uma questão de dignidade.
Na festa do francês (ontem), reparei que o Mahesh entrou no clima “filosofando”. Sabe quando a pessoa fica meio melancólica, pensativa? Talvez isso seja porque o francês mora em um apartamento em que, só o aluguel já é o que toda a família do Mahesh ganha em um ano. Um apartamento enorme para apenas uma pessoa morar – algo que, para mim, beira o absurdo em uma cidade como Mumbai. Aqui o espaço físico é um dos maiores luxos. São 20 milhões de pessoas morando em uma ilha abarrotada. Não cabe mais ninguém, não se vê mais casas – apenas prédios. Apesar da pobreza evidente, o real state em Mumbai é um dos mais caros do mundo.
Mahesh comentou comigo que “estar nessa festa, para ele, era uma grande coisa”. E eu consigo imaginar o porquê: quando ele conta a historia da família dele. Avos que vieram de zonas rurais da Índia trazidos para Mumbai para trabalhar limpando as ruas. Algo que no passado, era reservado aqueles da casta mais baixa – os dallits. Mahesh se envolveu cedo com o mundo “ilegal”, freqüentou comunidades de religiões diferentes, se envolveu com imigrantes do Afeganistão em Mumbai. Ate o dia em que decidiu buscar um emprego melhor antes que fosse tarde demais e ele perdesse a vida, em um crime encomendado.
Equipe da Unltd India: captando recursos para investir em negocios que melhoram a qualidade de vida em Mumbai. (Mahesh em verde;)
Com mais alguns drinks na festa, eu ja estava quase convencendo o frances e mudar para uma casa menor, confortavel e investir os 2 mil dolares mensais do aluguel em negocios sociais, apoiados pela Unltd India - organizacao em que trabalho.
Todo mundo vai morrer um dia. Talvez essa verdade seja a base para buscarmos ser mais empaticos. Por que, então, não fazer a vida dos outros mais fácil? Isso é dignidade e respeito com o outro e também consigo mesmo.
Ontem fui a uma festa aleatória (mais uma vez). Um francês postou no facebook, convidou muita gente e abriu as portas de casa. Sem nem saber o nome dele, lá fomos nós! Ele trabalha como engenheiro em Mumbai e depois de construir o metro de Dubai, mudou-se para cá. O metro de Mumbai é uma grande piada. Já está há anos em construção e tudo que parece fazer é atrapalhar o já caótico transito, levantar poeira e fazer barulho. Passa a impressão de que se você voltar daqui a 20 anos, ainda estará em construção. Mas não é exatamente disso que eu quero falar.
Quando as pessoas vêm morar na Índia facilmente se deixam levar ou são arrebatadas pelo caos do país. Tudo parece acontecer de maneira aleatória. Tudo parece surpreendente e imprevisível. Daí resta sair-se com um “é a Índia!” para tentar explicar o que não se entende. Mas morando aqui há quase 2 anos, da para perceber que as coisas não são tão aleatórias e existem sim, padrões que se repetem. Como em qualquer lugar do mundo, a questão é que aqui os padrões são diferentes. As festas “aleatórias” são, por exemplo, um padrão que se repete aqui. Festas em casa (ou em fazendas, em Nova Deli), com muitos estrangeiros, bebidas compartilhadas, Bollywood, indianos “ocidentalizados”, quase ninguém se conhecia antes da festa, todos acham tudo “cool”.
Mas ontem, nessa festa aconteceu algo estranho comigo. Aquilo que antes era aleatório virou comum. E me fez pensar outras coisas. Vou desenvolver a idéia.
Na organização em que eu trabalho tem um indiano – o Mahesh – que é um dos muitos que moram em favelas urbanas. Só em Mumbai, 50% da cidade são favelas. Mas aqui a favela se mistura com a parte rica. Não se vê riqueza sem olhar para lado e ver a pobreza. Ainda assim, a “riqueza” às vezes parece não ser nem um pouco empática. Em Mumbai, por exemplo, está a mansão mais cara do mundo. Cujo custo está na casa dos bilhões de dólares. Chamada de “Antilia”, foi construída pelo multibilionário Mukesh Ambani. A casa tem 27 andares, nove elevadores, estacionamento para 168 carros, 3 heliportos, um quarto com “neve artificial” e um teatro para 50 pessoas. Alem de salas de yoga, academia, etc. Mas acredito que subindo já no décimo andar da casa, a família pode avistar o Dharavi, a segunda maior favela da Ásia – que foi palco do filme “Quem quer ser um milionário”.
"Antilia": 27 andares de falta de empatia
Já o Mahesh, meu colega do trabalho, mora em uma casa de um cômodo com 2 irmãos, pai, mãe, esposa e filho. Isso significa 7 pessoas em um cômodo. Em uma casa que não tem nem banheiro. O que também não é exceção em Mumbai. Se precisar ir ao banheiro, precisa usar o publico compartilhado por parte da favela. Ou usar as linhas do trem. Isso mesmo, as linhas do trem. Mahesh mora do lado de uma estação de trem bem movimentada em Mumbai e passando por la, você facilmente vai ver pessoas fazendo necessidades na linha do trem. Saneamento é uma questão urgente na Índia. E mais, é uma questão de dignidade.
Na festa do francês (ontem), reparei que o Mahesh entrou no clima “filosofando”. Sabe quando a pessoa fica meio melancólica, pensativa? Talvez isso seja porque o francês mora em um apartamento em que, só o aluguel já é o que toda a família do Mahesh ganha em um ano. Um apartamento enorme para apenas uma pessoa morar – algo que, para mim, beira o absurdo em uma cidade como Mumbai. Aqui o espaço físico é um dos maiores luxos. São 20 milhões de pessoas morando em uma ilha abarrotada. Não cabe mais ninguém, não se vê mais casas – apenas prédios. Apesar da pobreza evidente, o real state em Mumbai é um dos mais caros do mundo.
Mahesh comentou comigo que “estar nessa festa, para ele, era uma grande coisa”. E eu consigo imaginar o porquê: quando ele conta a historia da família dele. Avos que vieram de zonas rurais da Índia trazidos para Mumbai para trabalhar limpando as ruas. Algo que no passado, era reservado aqueles da casta mais baixa – os dallits. Mahesh se envolveu cedo com o mundo “ilegal”, freqüentou comunidades de religiões diferentes, se envolveu com imigrantes do Afeganistão em Mumbai. Ate o dia em que decidiu buscar um emprego melhor antes que fosse tarde demais e ele perdesse a vida, em um crime encomendado.
Equipe da Unltd India: captando recursos para investir em negocios que melhoram a qualidade de vida em Mumbai. (Mahesh em verde;)
Com mais alguns drinks na festa, eu ja estava quase convencendo o frances e mudar para uma casa menor, confortavel e investir os 2 mil dolares mensais do aluguel em negocios sociais, apoiados pela Unltd India - organizacao em que trabalho.
Todo mundo vai morrer um dia. Talvez essa verdade seja a base para buscarmos ser mais empaticos. Por que, então, não fazer a vida dos outros mais fácil? Isso é dignidade e respeito com o outro e também consigo mesmo.
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